7/20/2015

será chuva, será vento

Começo a ficar sem paciência, deve ser dos anos. Dos que já passaram ou dos que estão para vir. Começo a fartar-me de línguas que tropeçam com demasiada facilidade. E se antes era difícil cortar-lhes o pio, hoje garanto, é já muitíssimo descomplicado. Facto é, que me sinto relativamente capaz de, para a próxima, fechar uma porta nas ventas de quem me fizer a mostarda subir para onde não deve. Tal como o vento que bate.

7/16/2015

facas e o apocalipse de cada um


Cortei me e na puta da faca nem pinga de sangue. 
Atacou-me durante a preparação do pão.

Indiferente às mãos que a agarravam e davam vida decidiu, numa revolta qualquer, fugir à quietude de um destino sempre igual.

Povoada a vida inerte da serrilha com o torpor estupido de uma sexta feira de madrugada, deitei-me certa de uma injustiça infernal a mim dedicada.

E não interessa que o pão estava congelado e que talvez tivesse bebido uns copos, a culpa continua a ser da faca.

6/30/2015

a estrutura do fundo e do medo



porque títulos aos pares

são sempre compostos

nem sempre paradoxos

mais interessantes que palavras

com ideias claras

sobre o que querem dizer,

pensar ou fazer.



Hell from far away and close up

6/08/2015

Sobre a gravidade e a estupidez


Há dias em que me sinto grande, demasiado grande para o espaço que me foi dado a ocupar. Em semelhantes ocasiões, tento estar no mundo da forma mais causal possível, tendo ainda assim em conta a estranheza que é andar por aí com um corpo maior que eu própria.

Com todo o peso que me é dado a carregar, fico manifestamente mais vagarosa. Na lentidão esperada, passa todo um mês e não escrevo uma única linha. O tempo, tal como o espaço extrapolado em que me vejo permanecer, expande-se demasiado depressa e apesar do meu tamanho sou facilmente expelida em direção à estratosfera.

Abalada, dou conta da estupidez lacinante em que me deixei flutuar. O momento pretenso termina e volto a por os pés no chão, agora com o meu volume de volta à normalidade e a gravidade a fazer finalmente o seu trabalho.

É tempo de reflectir, sob a absurda evidência que isto vai sempre dar tudo ao mesmo.


Christopher F. Foss

5/04/2015

hoje sonhei que era uma casa


hoje sonhei que era uma casa
assaltada e esventrada
sonhei a invasão
do volume
de um espaço no tempo
senti os passos
um a um
observei os que entravam
e os que saiam
os que ficavam
e nunca mais partiam
hoje sonhei que era uma casa
habitada e inundada 


Pedro Cabrita Reis, Room for a poet (2000) 
in http://raum.pt/arqa

4/15/2015

Não nada.

Perder o pé e a mão, de novo, e como sempre sofrer da frustação descontrolada causada pelo caos desarmonioso de um quotidiano sujo de todo e qualquer desinteresse próprio e alheio.

Pelo menos a escrita fica melhor.


4/08/2015

Genético ou Hereditário


Exercitar
Não fumar
Socializar
Controlar 
o colestrol
Comer bem
beber menos
Vigiar
a tensão
Evitar
doenças várias
Tratar
dos nervos
Manter 
as paixões

Viver,
depois morrer




3/25/2015

o cansaço (antes que o mês acabe)

Tenho a imaginação cansada, disse ela.
Para jantar só um bolo, disse ele.

Apneia do sono, obesidade, mau humor e falta de vontade
Com a idade tudo se justifica.

No mau gosto aplacado, apenas pela falta de conhecimento e a ignorância atroz
Admitem o sacrilégio.

Faço tudo o que acho que me apetece disse ela.
A mim falta-me o ar disse ele.


não me lembro.
















2/23/2015

a velha saga


dizia a velha saga, à saga mais nova

não sejas assim, olha que sago à mais tempo que tu e sei do que falo.  
não desistas do ócio tão facilmente e continua aflita 
a desmaiar na vida dos outros. 
saga que é saga, não abandona o posto

mas a saga mais nova, como verdadeira chata que era, 
resmungava que não. 
desta vida não queria mais nada, apenas viver horizontalmente,
a paz no mundo e a calma dos povos

e a saga mais velha desesperada, 
sagava um pouco mais

sabes, todos já quisemos desistir.
bem mais fácil é relaxar, do que continuar a sagar 
numa errância sem fé

a saga mais nova anuia então à saga presente
e continuava eterna na sua visão demente
que apenas os benditos saberão terminar heroicamente 
as aventuras dos outros, 
eternas sagas moribundas

   

david shrigley

2/18/2015

maus da fita


o primeiro a chegar a qualquer lado 
é quem manda.
o último a gritar "a culpa é tua", 
também.