12/17/2005

André

Eu vou acreditar que não foste. Que o pedro disse tudo aquilo e estava a rir. O Pedro nao chora, muito menos ao telefone. Muito menos assim, incompulsivamente.

Ando a repetir o teu nome a mil à hora. Estou a dizer que nao morreste enquanto lá dentro está tudo negro. Nenhum dos demónios que moram em mim acreditam em nada. Os meus sentidos perderam o valor no mercado.

André, hoje entramos em baixa.

Como vou sentir a tua falta. Do modo como me inspiravas sempre que rias dos dias. Do modo como tudo se resolvia com uma calma conversa, sem motivos para alarmes. Eras um dos "cools", dos que sabem de controlar.
Tento explicar o facto de teres ido embora com um "este mundo ja não te merecia". Ando a perseguir quem declarou os teus limites. Quem disse que já cá não mais estavas para nós. Entregar culpas para que tudo seja mais fácil. E enterrar-te com uma explicação.
Mas ainda não acredito.
Nada faz sentido. Nem ninguém.

Eu pensei que fosse abril. Pensei que o Natal tinha passado e afinal tinha ficado em Nova Iorque. Que ao fim de 20 minutos de conversa pesada, o Pedro diria no meio dos soluços que era tudo a brincar. Tudo de mau gosto.

Como custa. Ainda estou à espera disso. Que me liguem a dizer que é engano.
Fugiste para o Brazil e andas a curtir o paraíso com "paisagens que parecem mentira". Tu disseste isso da outra vez lembras-te?
Vê Ana, nao é lindo? Estou no paraíso!
E eu quis ser como tu.

Hoje falei de ti aos americanos. Antes de saber desta grande e injustificada situação.
Told them about my Chile friend who was having the time of his life. And they prayed you.

Contei ao Carriço. Ele está na nossa ilha mas não tinha ouvido falar de nada.
Senti-me a passar o testemunho num jogo de morte macabro. De faca em punho a deitar abaixo mais um dos que te choram.

Hoje não neva. Hoje está uma temperatura não tão baixa para Nova iorque. Hoje nem chove e o gelo derreteu. Hipocrisia.
Hoje é o dia mais frio do ano André. Dezembro, faltam 11 dias para completar 21. Os que já tinhas quando nos deixaste. Estava quase a te apanhar.

Sei que vou fazer algo para ti. Sei que não te vou deixar morrer. Não vou.
Vais estar connosco este Natal como estiveste todos os outros. E vamos ao mercado beber por ti e cantar por ti. Estarás connosco na passagem de ano. Entre todos nós. Como sempre foi.
Uma garrafa whiskey para partilhar com o André e um charuto de homem.

E porque sei que tinhas tanto para dar e tanto deste. E porque nunca te vou deixar morrer. Vou dedicar o meu talento da melhor maneira que conseguir à tua memória. Eternizar-te de um modo. E vou dizer aos meus filhos que um dia conheci este rapaz que amava a vida como todos devemos fazer. Como se deve viver.
Apenas me deixa menos triste o facto de dizeres estar no paraíso todas as vezes que falei contigo. Having a blast!

Explicavas sempre que andávamos em mundos opostos. E que eu devia estar a adorar tudo como tu.
Prometo-te André, que adoro e vou adorar cada vez mais sempre que relembrar a tua vontade de partilhar valores tao próximos e fortes como os que tinhas aos 21 anos.
Com toda a força com que nos contavas as historias do teu mais recente baú de memórias, eu vou amar.
A vida é tao curta.

Enjoy it cause it's this. Disseram os americanos.
Be yourself, there are plenty of others. Disseste tu.



Vais viver para sempre André, porque o mereceste.

1 comment:

Tiber said...

Ana:
Também fiquei chocado com a noticia... sou amigo dos tios dele, de algumas das tias...
É nesta altura que é dificil dizer alguma coisa, as palavras ficam presas, a voz não sai...
Quem disse que um Homem não chora?
O teu texto, é sincero, sentido, doloroso. Esteja o André onde estiver, vai chorar ao ler o texto, tal como eu chorei...

Um beijo